Falta remédio para hemofílicos

27/08/2008 16:39

27/08/2008 - Estado de Minas - Belo Horizonte    
   
  Pessoas portadoras de hemofilia vivem com medo de se machucar, em função da facilidade de perder sangue mas, desde maio, as que têm a doença do tipo A estão mais preocupadas ainda: elas não conseguem o concentrado de Fator VIII para uso caseiro, medicamento que deve ser usado imediatamente depois de qualquer sangramento interno ou externo. O Ministério da Saúde, que fornece o remédio, feito a partir do próprio sangue, reduziu as distribuição dos lotes. Com estoques em baixa, os hemocentros, distribuidores do remédio, não podem repassar aos pacientes a dose domiciliar e restringem o fornecimento a casos gravíssimos. Segundo a presidente da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), Sylvia Thomas, todos os estados passam pelo problema, em diferentes níveis. De acordo com as explicações de Sylvia, a falta seria provocada pela resistência do ministério em ceder às exigências dos laboratórios, que cobram mais caro pelo medicamento. “O governo brasileiro quer comprar pelo preço da licitação pública, não quer mudar nada, mas o preço real é mais alto, porque o mundo todo compra dos mesmos fornecedores.” Não é possível comprar o remédio em farmácia. Tudo que o Brasil consome é importado, sobretudo da Austrália, Estados Unidos e países europeus”, informa a dirigente da FBH. Em Minas, há remédio suficiente apenas para uma única dose, que poderia ser fornecida para cada um dos 500 portadores de hemofilia cadastrados no estado, segundo a presidente da Fundação Hemominas, Anna Bárbara de Freitas Carneiro Proietti. “Se for um acidente de moto, por exemplo, vão todas as doses no atendimento de apenas um caso.” No país são cerca de 9 mil pessoas com a doença. Anna Proietti já enviou um alerta ao Ministério da Saúde, mas não teve resposta positiva. “Fizemos um apelo ao ministro, porque estamos muito preocupados e o remédio só vem a conta-gotas.” A doença do tipo A é a mais comum e incide sobre 80% dos casos totais – ela é resultado da ausência de uma das proteínas do sangue, chamadas de fator de coagulação. Exatamente a falta do Fator VIII provoca a hemofilia A. Há também hemofilia por falta do Fator IX e outros tipos mais raros. SEM CIRURGIAS A falta do Fator VIII impede a realização de qualquer cirurgia em pessoas que têm hemofilia tipo A. “Nem uma simples retirada de dente”, explica a presidente da Hemominas. Sem o medicamento em casa e contando apenas com os hemocentros, o sofrimento é grande, principalmente para moradores do interior. Anna Proietti explica que, para atender aos 853 municípios mineiros, há apenas 13 hemocentros autorizados a distribuir o remédio. Em Barbacena, na Região Central do estado, Venícios Antônio de Barros treme só de pensar nos 100 quilômetros que separam sua casa de Juiz de Fora, onde ele pode buscar atendimento. “Sei que devido ao tempo e à distância, posso morrer. E acho vergonhoso ter que implorar por um produto derivado do sangue humano.” O cabeleireiro Roberto Pereira Mota, de Belo Horizonte, já não sabe o que fazer. Há mais de três meses sem o concentrado, ele está com medo de viajar para Itaobim, no Vale do Jequitinhonha, a 604 quilômetros da capital, apesar da necessidade de resolver negócios familiares. “Aqui em Belo Horizonte, se ocorrer qualquer coisa, corro para o Hemominas, mas em uma viagem longa, como fazer?” Usuário do concentrado por um período que ele nem se lembra qual é, Mota afirma que nunca passou por uma falta tão grande do antídoto. “A gente fica sem solução. O jeito é não sair, ficar se vigiando, mas é impossível.” No início da noite de ontem, o Ministério da Saúde informou que uma nova remessa de Fator VIII já foi enviada para a Fundação Hemominas a fim de manter o atendimento às necessidades dos pacientes em dia. A chegada está prevista para esta semana. O repasse de Fator VIII à Hemominas é feito semanalmente. APOIO Desde 1981, um grupo de voluntários, reunidos na Associação dos Hemofílicos de Minas, mantém uma casa de apoio a pessoas com hemofilia no Bairro Minas Caixa, na Região de Venda Nova, em Belo Horizonte. Como não há recursos públicos e a sobrevivência é à base de doações, só é possível oferecer hospedagem e comida para quem vem do interior em busca de atendimento. Há espaço para acolher até 40 pessoas. Uma das coordenadoras, Rosemeire Pereira, diz que a casa já esteve para fechar mais de uma vez, mas eles procuram a comunidade e as escolas para continuar. “Meu filho e meu irmão são hemofílicos e percebemos que não há muito apoio para o pessoal que precisa vir sempre à Hemominas.”   

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